sexta-feira, 24 de junho de 2011

"A cooperação transatlântica na boa comunicação de ciência na lusofonia é fundamental"

Apesar de a seguinte conversa "facebookiana" não ter sido gerada no, ou no decurso do, Atelier, pareceu-me interessante partilhá-la aqui, como caso de estudo. Se alguém se opuser, retirarei o post, acto contínuo.


Tudo começou por um comentário da Ana Margarida a esta notícia do Jornal Ciência (de Brasília) intitulada "Meteorito possui os requisitos necessários para a construção da vida", e que teve um final feliz!

Aqui se transcreve (agradeço à Ana Margarida o trabalho de ter passado a conversação para word) o que se passou no facebook.

A CONVERSA/”REUNIÃO” :D

Ana Margarida Olá, a vossa expressão "identificaram sinais de formas de vida dentro de meteoritos" não está correcta. :) O que identificaram foi blocos de construção da matéria da vida, das macromoléculas orgânicas. Isso não são formas de vida, são blocos de construção e não indicam que tenha existido vida nos meteoritos, somente que essas moléculas sobreviveram em meteoritos. E este tipo de estudo não é único. Veja por exemplo, o trabalho de Zita Martins do Imperial College London. Antes deste estudo, já Zita Martins tinha descoberto nucleótidos noutro meteorito


Jornal Ciência
Olá. A expressão não está errada pois afirma que encontraram "sinais" de formas de vida. Se um cientista encontra uma proteína, uma macromolécula orgânica ou algo do tipo que possa ser encontrada numa bactéria, em um vírus ou em qualquer outro ser diminuto, isso não seria uma indicação de que este material poderia ter sido resultado da fragmentação de uma vida microscópica? Além disso, a matéria é baseada em um estudo da British Columbia, no qual usa esta afirmação. Obrigado por participar.

Ana Margarida Olá de novo, desculpe insistir mas não, não está correcta. ;) Sou bioquímica e conheço bem a terminologia. Moléculas não são necessariamente sinais de formas de vida. São moléculas. A expressão correcta é "foram encontrados blocos de construção da vida". Não é sinal de forma de vida em si porque não são vida nem se pode dizer que integraram vida. Neste caso em concreto e neste estudo em concreto, não significa que este material resultou da fragmentação de uma vida microscópica porque não há qualquer indicação nesse sentido. Se preferir posso chamar aqui ao seu mural diversos outros bioquímicos e astrobiólogos que lhe dirão o mesmo. Portanto, repito: não está correcto, e as afirmações com que sustenta o uso da expressão também não estão. Não há provas de que estas moléculas resultem da fragmentação de vida microsópica...são moléculas, somente isso, peças de lego que não vieram necessariamente de uma casa de lego. O facto de a matéria ser baseada no estudo do British Collumbia não invalida que a vossa expressão está técnica e cientificamente incorrecta. A adaptação não está correcta.

António Piedade
Analogia: se alguém encontrar um bloco, um tijolo de argila, num meteorito, isso significa que ele fez parte de uma casa? A Ana Margarida está certa, meus caros. E, o facto de ser um estudo efectuado na British Columbia não ressalva nada por si só. Lembro-me de uma ou outra retratação de artigos publicados na Nature e na Science, por cientistas prestigiados e que mais tarde tiveram de vir pedir desculpas à comunidade científica internacional. As fontes são importantes. Mas mais importante é mantermos a nossa atitude critica, tão preciosa do método científico, bem vigilante.

Ana Margarida Obrigada António. Repare, Jornal Ciencia, o António é um Bioquimico prestigiado e comunicador de gabarito. Carlos Oliveira, podes confirmar?... O Carlos Oliveira é astrobiólogo. Marco Filipe, podes confirmar? O Marco é geneticista e biotecnólogo. ‎David Marçal, podes confirmar? O David é um bioquímico conhecido e um comunicador de ciência versátil.Maria João Nunes, podes confirmar? A Maria João Nunes é bióloga, Geóloga e Jornalista de Ciência.

António Piedade Reparem, nós não estamos a criticar em vão. Estamos a tentar ajudar a melhorar uma notícia. Ana Margarida estás a convocar-nos para uma reunião on-line?

Ana Margarida Estou :D para haver mais fontes :) afinal, eles não me conhecem de lado algum :)

Ana Margarida
O abstract do artigo original diz-nos que "The complex suite of organic materials in carbonaceous chondrite meteorites probably originally formed in the interstellar medium and/or the solar protoplanetary disk, but was subsequently modifiedin the meteorites' asteroidal parent bodies. The mechanisms of formation and modification are still very poorly understood. We carried out a systematic study of variations in the mineralogy, petrology, and soluble and insoluble organic matter in distinct fragments of the Tagish Lake meteorite. The variations correlate with indicators of parent body aqueous alteration. At least some molecules of prebiotic importance formed during the alteration."

prebiotico não significa que veio da vida, mas sim que a precede.

Astro Pt
o Carlos Oliveira não é "amigo" do Jornal da Ciência (já pediu amizade), por isso vai pelo astroPT - a fonte credível de notícias relacionadas com astronomia.
A notícia vê-se que foi escrita à pressa por alguém que não está dentro do tema. O que é normal. Os jornalistas não podem saber de tudo. Podiam era perguntar a quem sabe ;)
O Tagish é muito conhecido, e isto já se fala há muitos anos: aqui e aqui.
O novo estudo diz que este meteorito pode ser "especial" devido à diversidade de aminoácidos. Esta é a novidade. Nada de muito anormal. Nada sobre vida.
Aliás, ainda nem é certo se isto não é devido a contaminação terrestre, apesar de pelo menos um dos fragmentos parece não ter tido essa contaminação.
A notícia é da NASA, basta lê-la e depois perguntar a quem sabe.


abraços,
C. O.
(eu queria põr o meu nome novamente, mas não me deixa)

P.S.: em todo o lado existem os requisitos para a vida. São feitos nas estrelas e espalhados pelo Universo. Logo, parece-me que o título induz em erro se não houver uma explicação competente no artigo.

António Piedade O Carlos Oliveira disse tudo: há átomos e moléculas" prebióticas nas poeiras cósmicas".

Jornal Ciência A jornalista responsável será consultada e será analisada uma possível alteração no termo citado. Grato por participarem.

António Piedade ‎Jornal Ciência excelente atitude.

Ana Margarida Gratos por ouvirem ;) é comum existirem lapsos de termos, pois é impossível uma pessoa só abarcar todo o conhecimento existente. Mas para isso estão cá especialistas das diversas matérias, q procuram ajudar e não criticar. E acredite que conhecemos bem o meio jornalistico e sabemos os desafios que os jornalistas enfrentam e temos perfeita noção de que não é fácil nem é propositado ;)

António Piedade É interessante e positiva esta nossa participação em ajudar o Jornal de Ciência (Brasília) a repor rigor numa noticia com o intuito de melhor comunicar ciência.

Ana Margarida Sem dúvida, António :)

Astro Pt já agora, uma ideia: porque vocês não publicam as notícias que sejam de astronomia, que vejam do astroPT? ;)
Sempre são escritas por quem percebe do assunto em causa, e quiçá até podem dar as notícias mais rapidamente (como no "mar espumoso" da notícia anterior).
É uma sugestão de parceria ;)

Jornal Ciência Nos que estamos gratos e lisonjeados pela participação ativa em nossos conteúdos, o que demonstra que existe interesse mútuo em melhorar a qualidade das informações científicas divulgadas. Obrigado especial a Ana Margarida por indicar a falha e aos demais por dar embasamento.

Ana Margarida E no processo, note, todos nós aprendemos a comunicar melhor. :) Ninguém nasce ensinado e aprendemos uns com os outros ;)

António Piedade A cooperação transatlântica na boa comunicação de ciência na lusofonia é fundamental.

Ana Margarida Há quem sustente que não existem falhas, mas somente aprendizagem para todos os envolvidos :) O interesse já existia :) Obrigada :)

Astro Pt E é para isso que serve também o astroPT ;-). Aliás, temos autores de ambos os lados do Atlântico ;) Daí a minha proposta de parceria... dava para corrigir logo a notícia sobre o meteorito (porque seria escrito por quem percebe do assunto)... e dava para terem notícias mais rápidas (o do mar espumoso foi escrito há 2 semanas :)). ;)

Ana Margarida Seria uma excelente parceria!! :)

Marco Filipe Cheguei tarde demais à reunião :P
Errar é humano, até cientistas erram. O que interessa é que o assunto já está esclarecido ;)

6 comentários:

  1. Foi a custo, mas parece que lá conseguiram.
    A minha experiência com este tipo de "chamada de atenção" não foi tão positiva. Possivelmente precisasse de uma "task force" como esta para me assistir...mas, já agora, deixo aqui uma questão:

    O que vos parece quando, numa notícias de ciência, o jornalista se refere a uma espécie pelo seu nome científico não usando a notação adequada, ou seja, a escrita do nome em itálico ou sublinhado?
    Parece "apenas" uma questão de forma, mas eu sou da opinião que uma publicação de divulgação da ciência deveria acatar esta regra básica da linguagem científica.
    Gostava de saber a vossa opinião.

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  2. Em relação à notação científica formal, eu tenho insistido na imprensa escrita (e.g., Diário de Coimbra) na publicação formal, nomes em itálico, índices nas formulas químicas na posição correcta, as letras gregas quando indicam propriedades fundamentais, radiações, et cetera. Mas não é fácil. Temos de estar sempre atentos. Na minha experiência tenho sido mais ou menos bem sucedido. Mas à custa da minha persistência e atenção.

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  3. Na minha tentativa de correção, obtive como resposta do editor da publicação algo do estilo "sou jornalista e não tenho que seguir os critérios científicos". Foi muito desapontante.
    Noutras notícias posteriores, o erro foi repetido.

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  4. É por isso que temos de implementar uma comunidade de práticas que envolva jornalistas, cientistas, divulgadores, comunicadores, entre outros, de forma a demonstrar a todos a importância daquilo que são "detalhes" ou "pormenores" só de forma para uns e substância e conteúdo informativo e formativo para outros.

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  5. Diana, pessoalmente tenho experiências destas tanto positivas qto negativas. As negativas incluem sempre insultos como "arrogante", "mania que sabe tudo", "perfeitinha", "senhora intelectual" etc. A um amigo meu já chamaram Mr QI eheheheh ;D Qd isto acontece é realmente desapontante e frustrante. Especialmente qd se tratam de jornais, revistas, etc que se limitam a fazer copy paste de pasquins. O Expresso é um desses jornais...o Destak é outro (o Destak, então, é um manancial de parvoíces e copy paste...). Infelizmente tb já detectei erros graves, de cariz científico, em publicações supostamente de renome...e nem uma palavra de volta ou indicação de correcção se recebeu. Essa publicação chegou a publicar uma parvoíce sensacionalista, inclusive, inadmissível para a suposta formação q os seus jornalistas têm ou deviam ter. E não melhora, os erros continuam. Infelizmente não parecem estar abertos a correcções e reparos...

    Por outro lado, quando os resultados são positivos, como aqui e em vários outros sites, jornais, etc, quando a humildade existe e a noção de que há quem domine determinados temas está presente, bem como o espírito científico e de investigação e jornalistico, a evolução acontece.

    Neste caso em concreto, como a publicação em questão não me conhecia, achei q deveria validar e reforçar a minha argumentação com o chamamento de nomes conceituados na divulgação e especialidade científica; neste caso pedi ajuda a outro bioquímico, a um astrobiólogo e a um geneticista-biotecnólogo. A união faz força :D

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  6. No meu caso, o que me chocou mais foi a publicação em causa ser dedicada à divulgação de notícias de ciência.
    Embora não devesse acontecer, num jornal generalista parece-me mais provável encontrar esse tipo de erros a atitudes. Numa revista que se identifica como meio de divulgação da ciência portuguesa (e não só), foi, como disse, frustrante obter este tipo de reacção, com uma correcção pontual, mas depois a repetição do erro em multiplas notícias posteriores.
    Face à resposta do editor, eu não voltei a dar essa sugestão de correcção. Para quê?
    Fiquei também sempre de "pé atrás" com o que publicam, já que muitas vezes é simplesmente uma má tradução de 'press releases' em que não se faz uma contextualização correcta do problema.
    Uma pena.

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