domingo, 19 de junho de 2011

milia passuum - a milha romana

A propósito da visita ao Criptopórtico Romano no Museu Nacional Machado de Castro. Texto entretanto reeditado e publicado no "Boas Notícias" aqui.

Mille passuum ou a milha romana.



Qual a distância que um Centurião romano percorria ao fim de mil passos dados? Uma milha romana, a primeira medida unitária para longas distâncias.

Quanto é que uma milha romana equivale em metros? Não sabemos ao certo! É que o metro é uma medida padrão e o nosso bom senso “diz-nos” que uma passada de um Centurião deveria variar consoante a altura das suas pernas e até da propulsão dada pelo avanço de cada perna (até à data ainda não foi encontrada nenhuma medida arqueológica da perna-padrão do Centurião!).


(A barra de platina-irídio utilizada como prototipo do metro-padrão de 1889 a 1960 e que se encontra actualmente no Escritório Internacional de Pesos e Medidas, em Sèvres, França)

De facto, os mile passuum (mil passos em latim) deste militar romano percorreriam uma distância que lhe era característica. Até porque os mil passos a que refere a milha romana não eram os de um só homem, o Centurião, a marchar, mas do conjunto de cem legionários (a centúria), que ele comandava e que marchavam atrás dele. A propósito, acrescente-se que uma centúria era uma formação militar constituída por 10 filas de 10 legionários (soldados de infantaria) formando um quadrado.

Este quadrado militar avançava então em ritmo de marcha e comandada pelo Centurião que marcava o compasso. De certa forma, a distância percorrida dependia da velocidade da marcha, do ritmo do passo. O que sugere que uma milha romana não só indicava uma distância percorrida após mil passos mas também o intervalo de tempo necessário para os cumprir.

Este raciocínio transporta-nos para a ideia de que uma milha romana seria, na realidade útil, mais a medida da velocidade do Centurião a marchar, do que só uma medida de uma distância percorrida. Ao dizer que precisavam de marchar, por exemplo, 10 milhas, o Centurião não só indicava a distância a que se encontrava de um eventual alvo, mas também dava indicações sobre o tempo que demoraria a conduzir a sua centúria até ao destino.

Mas voltemos à questão da conversão, possível, para o “nosso” metro padrão. Até para podermos precisar a variabilidade da milha romana. Isto é relevante também como exercício da importância do erro quando aplicado a escalas com grandezas diferentes. Vamos a seguir concretizar este problema.

Uma passada em marcha de três Centuriões diferentes poderia diferir em poucos centímetros. Suponhamos uma diferença média de 15 centímetros entre as passadas de cada um dos três centuriões. Esta diferença pode não parecer muito crítica numa única passada, por exemplo de 1,5 metros: 10 % de variação média.

Mas essa diferença de 15 centímetros seria suficiente para que os 3 centuriões percorressem distâncias substancialmente diferentes ao fim dos seus mil passos. Se os três centuriões marchassem com uma velocidade igual percorreriam, ao fim de um mesmo período de tempo, 1350 metros, 1500 metros e 1650 metros! E qual seria a diferença entre eles ao fim de 10 milhas romanas?

Noutra perspectiva, para que percorressem a mesma distância depois de mil passos, os três centuriões no exemplo anterior teriam de marchar a velocidades diferentes. Ou seja, gastariam períodos de tempo diferentes para percorrer uma milha romana.

Mas a história deixou-nos indicações sobre a diferença entre a marcha dos Centuriões.

De facto, há registos históricos que balizam a milha romana entre os 1481 e os 1580 metros. Ou seja, 99 metros de diferença!




Outro dado arqueológico e que se encontra hoje no Museu Nacional Machado de Castro, em Coimbra, mostra que quatro milhas romanas são iguais a 5920 metros. Segundo esta prova arqueológica, baseada na distância de um marco viário, com a indicação de IIII e encontrado àquela distância métrica de Aeminium (designação romana para a povoação que deu origem a Coimbra), uma milha romana equivale a 1480 metros.



Outra fonte (wiki-pédica) indica-nos que uma milha romana comportaria 5000 pés romanos. Isto garante-nos, pelo menos, que existia uma humana variação entre o tamanho dos pés dos inúmeros Centuriões romanos!

Se quisermos espraiar um pouco mais este assunto para outros domínios, estes dados sugerem-nos que, apesar de já então e pelo menos desde os gregos, se utilizar a clonagem para replicar espécies vegetais (a palavra clone deriva etimologicamente do grego κλων, lê-se klón), a utilização da clonagem para replicar eventuais Centuriões com características bélicas excepcionais ainda não estaria desenvolvida. Aliás, como também “ainda” não o está hoje.

E a milha americana? Isso é uma outra história, também com resquícios imperiais, mas ingleses.

António Piedade

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