Existem coisas no mundo que tomamos como adquiridas. O facto de o dia suceder à noite ou de não ser possível atravessar uma parede são alguns deles. Tanto que construímos paredes para nos protegermos à noite, tal é a confiança nestas duas certezas. Quando uma destas certezas cai por terra, entramos no mundo da ficção. Há coisas que pura e simplesmente nunca acontecem fora do reino de Hollywood (ou de imaginações mais vivas).
Por exemplo, se alguém escrevesse que “depois de sair das profundezas de um criptopórtico romano, com milhares de anos, o grupo - composto por jornalistas, biólogos, bioquímicos e astrofísicos – entrou no edifício de linhas direitas (fascistas, até) com um objectivo simples: descobrir como é o átomo”, com certeza que não podia ser real. Parece algo retirado de um livro de aventuras, certo? No entanto, ainda não se desrespeitou nenhuma regra de funcionamento do mundo, por isso vamos elaborar um pouco. “Ao entrar no edifício, o grupo viu que o grande pêndulo, suspenso do tecto, estava parado”.
Um pêndulo parado é algo que causa muita estranheza. E se mete no caminho de um dos factos dados como adquiridos no início do texto: haver dia depois da noite e vice-versa. Isto acontece porque a Terra roda sobre si própria, na sua órbita elíptica à volta do Sol. Nós não sentimos essa rotação, mas há um teste que a comprova. E que envolve um pêndulo. Jean Bernard Léon Foucault, Foucault para os amigos, foi um francês que tinha quase tudo para ser médico. Tinha o dinheiro para pagar a formação, a inteligência. Só tinha um problema: uma tremenda aversão ao sangue. Por causa disso, a França perdeu um médico, mas ganhou um físico.
O que deixou o nome de Foucault na história foi o facto de ter criado uma experiência (em 1851) que permite ao ser humano ver que, de facto, a Terra está a girar sobre ela própria. Foucault colocou um pêndulo, fixo no tecto do Panteão de Paris. E esse pêndulo movimentou-se em função da rotação do planeta, sem mais qualquer ajuda (de facto, até convém que não existam interferências de correntes de ar, que podem alterar o movimento). Reproduzida inúmeras vezes, a experiência tornou-se um sucesso e ainda hoje é recriada em vários locais.
Neste caso, o pêndulo de Foucault estava parado. O eclético grupo só tem uma solução: admitir que está num filme. E com o pêndulo parado, o mundo estaria na cloaca (uma palavra que o grupo aprenderia se tivesse passado a tarde fechado numa rede de túneis subterrâneos de origem romana. Mas isso nunca pode acontecer).
Tempo de procurar uma resposta. Na ânsia de chegar junto do especialista, nem reparam na passagem por um laboratório nuclear. Logo no ano em que se comemora o centenário da descoberta do átomo. Mau presságio? Não, isso só acontece em obras de ficção.
(Continua...)